O meu 25 de Abril
Este é desde sempre o meu feriado favorito… Cada Abril tem sido diferente mas, desde que partiste, tento vive-lo da mesma forma entusiasta e orgulhosa com que te via encher a casa de cravos vermelhos...
Recordo com emoção o primeiro 25 de Abril depois de teres morrido:
Decidida a partilhar contigo este dia, que teimávamos em passar juntas, rumei ao cemitério… Pelo caminho dei-me conta que nunca mais lá tinha voltado desde aquela tarde chuvosa de 26 de Dezembro. Curioso como ainda me recordava tão bem do local onde te vi pela última vez... Olhei então o arranjo de flores que alguém teria depositado sobre a tua campa. De imediato me veio à memória a frase que tantas vezes tinhas repetido:
- Quando eu morrer, não quero que me levem flores…
- Oh Vó…., não digas isso (refilava sempre eu)
- É um pecado apanha-las para alguém que nunca as vais poder apreciar! As flores são para estar na terra, para nascer, viver e morrer na terra….
Fazia-me então prometer-lhe que nunca lhe levaria flores… Alias, dizia-me sempre que depois de morrer não precisava que ninguém a fosse visitar!
Mas eu, nesse 25 de Abril não cumpri a promessa… Fui visitar-te, e na mão levava um cravo vermelho! Troquei o arranjo de flores murchas pelo cravo. Sentei-me ao pé da tua lápide e olhando o presente que acabava de te oferecer, lembrei-te:
Recordei como me punhas ao teu colo, e me dizias que não sabia apreciar a liberdade que os todos aqueles heróis tinham conquistado para o povo! Todas aquelas caras que fazias questão que soubesse: o Otelo, por quem tinhas uma admiração extrema… O Salgueiro Maia que dizias ser o maior herói que Portugal tinha gerado… E tantos outros que a Revolução não deixou mais que se escapassem da memória do país. Relembrei, enternecida, a forma como me ensinaste todas as músicas de Abril… O teu olhar maroto sempre que me abrias o baú onde, dantes, escondias os livros proibidos, mas que todos lá em casa teimavam em ler… E como me orgulhava de ti quando me contavas ter passado a tarde do 25 de Abril a fazer rissóis e pasteis de bacalhau para os soldados, que, no Quartel-general do Porto, faziam a Revolução…. E as flores que foste roubar ao cemitério para que os soldados do Porto também as colocassem nas espingardas…
Já entardecia quando consegui parar todo esse rio de memórias… Lancei um último olhar sobre o cravo e despedi-me de ti com o maior sorriso que consegui….
Hoje resolvi repetir a experiência de há três anos... Fui visitar-te e comigo levei três cravos. Três, pois são também esses os anos de saudade de ti!
De regresso a casa, sento-me no sofá….
- Ah! Como me orgulho do nosso país, Vó… Como me orgulho de ser tua neta (bisneta, aliás). Mas… será que, algum dia, serei capaz de dar o devido valor às conquistas que Abril e tu me trouxeram???
ss