Quando deixo de te ver encosto a cabeça ao vidro. Fecho os olhos e vou deambulando por pensamentos presos pelo cansaço. Não tive tempo para te dizer… bem, talvez não to dissesse de qualquer forma, mas há em mim um grande vazio por não poder partilhar contigo esta noite. Relembro quando no dia 9 de Abril corri, loucamente, ao teu lado, para conseguirmos um lugar, bem lá na frente. E conseguimos! Juntas conseguimos sempre tudo! Recordo os planos que tinha para esse dia, a excitação quase incontrolável de estar a viajar para Lisboa… para ti! Será que ainda te lembras banho de “Doritos” que tivemos no final concerto?
Enquanto me perdia nestas doces (talvez mais salgadas…) memórias, já era altura de mudar de linha. Acompanhada por uma pequena multidão de desconhecidos mudo para a linha vermelha. Chegam as carruagens. Escolho um lugar junto a uma janela. Nos minutos seguintes fico a observar cada uma das pessoas que entra e sai do metropolitano. Ao fim de mais de dois anos em Coimbra, estas cidades grandes parecem-me frias, quase insensíveis… Não há caras conhecidas, nem sorrisos. As pessoas parecem todas cinzentas e cansadas de mais um dia triste de uma vida sem grande sentido. Quando que se ouviu “ Estação do Oriente” já me tinha levantado e esperava ansiosamente que a porta se abrisse. Comecei então uma espécie de “contra-relógio” desenfreado por entre pessoas indiferentes, barracas de artesanato, famílias consumistas e enfeites de Natal… subi e desci longas escadarias até que, finalmente, cheguei. Pela quarta ou quinta vez nesse dia, suspirei de alívio. Quando entreguei o bilhete ao segurança a minha respiração estava tão alterada que quase nem consegui responder quando este me perguntou se tinha alguma coisa nos bolsos. Acenei que não e, aparentemente, ele confiou. Com a mesma pressa desci os dois lanços de escadas que me permitiam chegar a esse grande recinto.
Quando pude rever todo aquele pavilhão, já totalmente cheio de gente, senti uma gigantesca nostalgia de outros concertos. Senti a tua falta… e enquanto me encostava a uma parede, tentando regularizar (mais uma vez) a respiração, “abracei” o teu casaco. Não te pude trazer, mas trouxe mais um pedacinho de ti (sim, porque tenho outro pedaço teu… enorme, tremendo, imenso, sempre no meu coração). Semicerrei os olhos e relembrei uma dessas noites:
O concerto abriu com "Politik". Depois, ainda sentado ao piano, Chris Martin agarra o microfone e diz algo como “Isto é increivele! Estemos muiito felisses de esstar aqui”. Cada música era um transbordar de imagens de dias vividos com a toda a alma. Recordo a “Don’t panick” … ainda hoje sou capaz de me lembrar do som que o Jonny tirava da harmónica. Outros sons, outras paragens… outras “flutuações”. As luzes apagaram-se… Ouve-se um “temoss que ir”… seguido de um “maybe... we don't have to 'temos que ir'”. Aplausos, muitos aplausos e um feixe verde que era interrompido pelos dedos, enormes, do Chris ao som da ”Clocks”. E quando se pensava que era o fim… ele volta, sozinho, para “Amsterdam”… se há momentos que são verdadeiramente inesquecíveis, este é um deles!!
Quando caio em mim, apercebo-me que já são quase 9 horas e que ainda preciso chegar até aos meus companheiros. Inicio uma viagem longa por entre fãs impacientes… de inicio consigo passar com alguma facilidade, distribuindo “desculpe” e “com licenca” a cada dois segundos. Mas a viagem começa a tornar-se mais lenta e as caras já não me recebem com sorrisos. Encontro uma parede humana de olhos fixos no palco... A situação piora a cada centímetro que tento avançar… e a minha pouca altura não me permite ver onde os meus amigos estão.
“Mesmo no centro do palco, segue pelo centro...”- vão-me gritando pelo telemóvel.
Luto contra a gravidade, dando pequenos saltinhos, para tentar vislumbrar as quatro mãos que eles elevavam no ar. Dado o insucesso desse meu esforço decido pedir ajuda a um grupo de pessoas com um ar bem simpático:
- “Por acaso estão a ver algumas mãos a abanar-se aí pela frente”?
Sorriem-me e dizem que sim... indicam-me a direcção. Mais uma vez devo ter feito uma cara tão estúpida que um deles se apressou a perguntar:
- “Queres que pegue em ti para perceberes melhor a direcção?”
E estavam tão longe… já tinha sofrido tantos apertões, tantas caras feias… e ainda havia tantas cabeças a separar-nos.
-“Ai… não consigo! Desisto! Não dá”- balbuciei enquanto me pousavam de novo no solo.
Então, um dos rapazes colocou as suas mãos sobre os meus ombros e disse-me:
-“Hey? Se já vieste até aqui, não vais desistir agora. Já falta pouco.... Anda lá!”.
Não resisti e dei-lhe um abraço, um abraço apertado de cumplicidade de quem sabia que aquela noite era para ser partilhada.
Por entre estes abraços e muitos, muitos agradecimentos já estava eu, de novo, a tentar quebrar essa barreira de corpos quentes e ansiosos…
- “Bom concerto” – ainda ouvi gritar!!
A cada metro que me movia, mais difícil parecia a tarefa de os alcançar. Mas lá fui avançando, determinada, até conseguir ver as tuas mãozinhas a acenar freneticamente.
Quando te vi, de costas, uma felicidade imensa preencheu todo o meu ser. Uma inexplicável sensação de concretização encheu-me de força para gritar por ti:
- “Joooããããõooooooo”.
Viraste-te e quando os teus olhos se alinharam com os meus, pude ver-te um sorriso lindo, e tão feliz como o meu! Gritando o meu nome, estendeste-me a mão... Não sei quanto tempo demorei até a conseguir tocar, mas quando os nossos dedos se sentiram as luzes apagaram-se. Tive o teu abraço, já no escuro, envolvido na euforia de um público em delírio com a noite que se esperava. Essa foi a última vez que suspirei de alívio...
Vivi mais uma noite de puro êxtase: com farrapos de sonhos revolvidos por sons de uma vida cheia de momentos inesquecíveis. Emoções à flor da pele… recordações marcantes que se soltavam, levemente, com as letras cantadas, de olhos fechados, tentando reter lágrimas que não paravam de rolar... Mil abraços de ternura e palmas rendidas às melodias que fazem parte de mim...
Foi já enquanto subia a escadaria branca, que me leva para a tua casa, que me ocorreu que este dia representava, muito bem, o ano que terminava: horas imensas de uma agonia interminável, de uma tristeza quase aguda, de uma profunda prostração… para pouco mais de 3 horas de uma imensa felicidade. Traduzindo… este ano tive de penar longos dias desertos de sentido e sentimento para poder, em alguns momentos, ser absolutamente feliz. E valeu a pena? Valeu!! Não pude ainda deixar de pensar como as duas pessoas mais importantes desse meu dia, tinham sido, também, as mais importantes deste meu 2005.
ss