25 de abril de 2004

O meu 25 de Abril

Este é desde sempre o meu feriado favorito… Cada Abril tem sido diferente mas, desde que partiste, tento vive-lo da mesma forma entusiasta e orgulhosa com que te via encher a casa de cravos vermelhos...
Recordo com emoção o primeiro 25 de Abril depois de teres morrido:

Decidida a partilhar contigo este dia, que teimávamos em passar juntas, rumei ao cemitério… Pelo caminho dei-me conta que nunca mais lá tinha voltado desde aquela tarde chuvosa de 26 de Dezembro. Curioso como ainda me recordava tão bem do local onde te vi pela última vez... Olhei então o arranjo de flores que alguém teria depositado sobre a tua campa. De imediato me veio à memória a frase que tantas vezes tinhas repetido:
- Quando eu morrer, não quero que me levem flores…
- Oh Vó…., não digas isso (refilava sempre eu)
- É um pecado apanha-las para alguém que nunca as vais poder apreciar! As flores são para estar na terra, para nascer, viver e morrer na terra….
Fazia-me então prometer-lhe que nunca lhe levaria flores… Alias, dizia-me sempre que depois de morrer não precisava que ninguém a fosse visitar!
Mas eu, nesse 25 de Abril não cumpri a promessa… Fui visitar-te, e na mão levava um cravo vermelho! Troquei o arranjo de flores murchas pelo cravo. Sentei-me ao pé da tua lápide e olhando o presente que acabava de te oferecer, lembrei-te:

Recordei como me punhas ao teu colo, e me dizias que não sabia apreciar a liberdade que os todos aqueles heróis tinham conquistado para o povo! Todas aquelas caras que fazias questão que soubesse: o Otelo, por quem tinhas uma admiração extrema… O Salgueiro Maia que dizias ser o maior herói que Portugal tinha gerado… E tantos outros que a Revolução não deixou mais que se escapassem da memória do país. Relembrei, enternecida, a forma como me ensinaste todas as músicas de Abril… O teu olhar maroto sempre que me abrias o baú onde, dantes, escondias os livros proibidos, mas que todos lá em casa teimavam em ler… E como me orgulhava de ti quando me contavas ter passado a tarde do 25 de Abril a fazer rissóis e pasteis de bacalhau para os soldados, que, no Quartel-general do Porto, faziam a Revolução…. E as flores que foste roubar ao cemitério para que os soldados do Porto também as colocassem nas espingardas…
Já entardecia quando consegui parar todo esse rio de memórias… Lancei um último olhar sobre o cravo e despedi-me de ti com o maior sorriso que consegui….

Hoje resolvi repetir a experiência de há três anos... Fui visitar-te e comigo levei três cravos. Três, pois são também esses os anos de saudade de ti!

De regresso a casa, sento-me no sofá….
- Ah! Como me orgulho do nosso país, Vó… Como me orgulho de ser tua neta (bisneta, aliás). Mas… será que, algum dia, serei capaz de dar o devido valor às conquistas que Abril e tu me trouxeram???

ss

24 de abril de 2004

Uma Questão de Orientação

Acho que sou uma bússola… e como tal, aponto teimosamente o mesmo ponto cardial… O Norte! E tu? Se eu sou uma bússola, tu és o meu ponto cardial, és o meu Norte! Para onde quer que vá, eu sigo sempre essa orientação… essa vontade de te ter, que é sentida em qualquer ponto do planeta!
Quando caminho, todas as outras direcções, que não a tua, me parecem promessas de viagens sem rumo. Sinto-me desnorteada, mesmo sabendo onde estás, meu Norte.
De repente uma duvida… Mas o que é o Norte?
- “Ponto cardeal que fica para o lado da estrela polar.”
Sigo, então, na direcção de uma luz pertencente a uma estrela que, secalhar, já nem existe…

Cansada da falta de rumo dos meus pensamentos olho pela janela do comboio… Esbarrando-me com tufos densos de nuvens que me escondem o azul do céu, detenho-me a apreciar alguns dos raios de sol que rompem o tapete branco de água em suspensão… Começo a pensar se a tua nuvem não me anda a fazer perder muitos raios de sol!
Subitamente, o comboio para! Pouso a cabeça e fico a olhar o mar. A sua agitação parece comungar com o turbilhão de ideias que me assaltam. Subindo o olhar... Ah! As nuvens... parecem deslocarem-se tão rapidamente! Fecho os olhos várias vezes fazendo um esforço de focagem e… sim… não é ilusão… As nuvens movimentam-se para Norte!
Como gostava de conseguir perder o Norte… perder-me, criando a ilusão de que tinha contrariado todo o teu magnetismo, virando-me para outros pontos da tão imensa rosa dos ventos… Pura ilusão, o meu ponteirinho é tão frágil… tão fraco, que não consegue evitar-te! Entristeço-me ao saber que existem tantas outras direcções para onde poderia apontar… tantos outros universos que poderia explorar… Desespéro, luto, rodopio sobre mim mesma,acabando sempre por ser vencida… Só no Norte o meu ponteirinho tem paz... Só em ti minha alma tem paz...

Curioso pensar que rumei a Sul para encontrar o meu Norte! E agora, passado um ano, o que mais queria era perdê-lo! Ah! Como preciso perder o Norte! Transcender-me, ultrapassar-me… Procurar uma nova direcção para minha triste existência. Quero recrear-me... ter um outro referencial que não esse de Norte e Sul, de pouco ou nada!

Não posso deixar de sorrir ao pensar que toda este "fluir de pensamentos" começou com a capa d“A Bola”(do dia 16 de Abril) que um velhinho lia, atentamente, numa das minhas viagens de Sul para Norte:
“Não Percam o Norte”
… e tudo o que eu mais queria era perdê-lo!

ss

Tarde de Primavera

Tal como uma árvore hoje, despontei... Não devido a ti. Não devido ao sol. Mas sim porque um amigo me deu o calor que precisava para voltar escrever. Voltei a tirar os pés do chão, continuando o voo à descoberta da tua nuvem, que no fundo é também a minha! E desta tarde solarenga e sem nuvens retiro uma lição...
A vida, a minha vida, tem sentido! Não porque procuro a tua nuvem, mas porque tenho um imenso céu de coisas que preciso descobrir... entre elas, o valor que uma amizade tem!!!

Obrigada M.

ss

 
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