1 de janeiro de 2007

É a vida... e “a vida que se lixe!"

Não voltes a olhar-me com todo esse vazio. Não. Estou farta de tentar andar pelas tuas pegadas, de me seguir para onde me levas. Sabes… É ano novo, uma onda poderosa apagou as tuas pegadas e agora eu vou comandar, escolher. Vou pisar com toda a força a areia lisa e molhada que essa onda deixou e vou desenhar eu própria a trajectória: rumo à Lua. Vou saltitar e deixar marcas. Vou escrever-me na areia. Cansei-me dos meios sorrisos, das meias palavras. Quero tudo e por inteiro. Não vou querer mais o que tu quiseres. E que me importa que venha outra onda e apague tudo? Não me importa. Terei em mim a capacidade de te desenhar de novo, a cada instante. Sei-te de cor. Estou imune às flechas que me cravas com (a falta d)esse teu olhar, mas quero sentir novamente o ardor do metal. Quero outra vez aquela dor aguda que me fazia sentir tão viva, tão tua. Aprendi a segurar as lágrimas que ameaçam inundar o horizonte na tua ausência, agora quero desaprende-lo. Esperançar-me e desesperançar-me com a mesma convicção. Sentir o sangue quente a fluir por todo o corpo e não lutar para o arrefecer. Tenho medo, confesso. Morro de medo. Fico insegura… as vezes mal me aguento nas minhas próprias pernas. Não me compreendo, não te compreendo. Desoriento-me. Flutuo alto de mais para que não tem uma rede que a ampare do abismo da verdade. Ilusão? As vezes perco-me de mim, iludo-me, mas nunca te perco de mim. Nunca. Por vezes escondo-te, minto-me, mas nunca te esqueço. Suprimo-me, mas mantenho-te, sempre. Teimosamente. Por carolice?
Por amor.
Mas a minha vida não vai parar, nunca. Não! Não preciso de ti. Não preciso mesmo! És uma desilusão quando comparado com o que sinto por ti. Não és a minha vida… és “só” o meu amor: egoísta. Só meu.

“…Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.”
(Miguel Esteves Cardoso)
SS

 
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