14 de dezembro de 2006

Dois meses...

Quinta-feira. Estou no caminho de regresso a casa mais cedo do que seria normal numa semana de aulas. Os pais estranham, o irmão percebe.
É dia 14!
Dois meses…
Dois meses passaram desde que o ser que mais me amou na vida, morreu! Acho que ninguém compreende exactamente o que é amar um animal, mas que eu amei também a minha cadela com cada pedacinho meu capaz de o fazer, amei!!
Mentiria se não admitisse que é, sem margem para dúvida, a perda mais dolorosa de toda a minha existência. E não, não me digam que devia estar preparada, porque não há preparação possível para a morte de quem mais se ama. Não há frase ou pensamento que pudesse atenuar a visão do animal prostrado, de olhos semiabertos e fundos. Não há abraço que faça esquecer o toque do corpo frio e parado. Não há! Não há nada que nos possa preparar para o vazio, o nada, que é a morte.
Nessa noite, há 2 meses, abracei-a com toda a força pela última vez. Como pode alguém estar preparado para o último abraço?
Era uma cadela velha, doente e cansada. Ainda assim esperou até onde lhe foi permitido e morreu num sábado…
Esperou por mim, como me tinha prometido!!!
E eu pude coser um pano branco em seu redor como sempre pensei que faria… e por cada ponto que dei repeti que a amava e relembrei a nossa vida conjunta:
16 anos!!
16 anos de aventuras, momentos, angústias, ternura e compreensão. 16 anos de uma amizade mais forte do qualquer outra, 16 anos de uma confiança total. 16 anos de puro amor!
Dois meses…
Dois meses em que cada manhã dá lugar a uma lágrima travada ao olhar a sua fotografia, que sou incapaz de retirar de qualquer um dos meus dois quartos.
Dois meses em que não houve sequer uma noite em que não a tenha recordado por entre lágrimas e soluços apertados para que ninguém oiça.
Dois meses recheados de momentos (tão desejados), mas que não pude saborear na totalidade, porque esta tristeza intrínseca me seca o coração.
Não me quero dar a essa tristeza e luto, luto todos os dias para sair do quarto com um sorriso e um bom dia “suculento” pronto para ser desejado. Mas é difícil…. É tão difícil esconder de todos que ainda não consigo acreditar que a minha “Fofa” já não me espera, todos os fins-de-semana.
Dois meses…
Dois meses desde que coloquei o primeiro pedaço de terra que cobriu todo o seu corpo aconchegado na mortalha que lhe fiz. Desde então o jardim passou a ter um local mais especial, que gosto de olhar sempre que chego depois de cada semana.
O que mais custa são as saudades do toque do pêlo macio; as saudades de entrelaçar as suas orelhas por entre os meus dedos e de as sentir quentes. Que saudades do seu nariz molhado a encostar-se ao meu!! Saudades do seu olhar de mimo e de ternura que me enchia a alma como nenhum outro. Saudades de tudo nela… saudades dela.
Saudades que não consigo afastar, porque não há como lembrar um toque macio ou um nariz frio. Não o sei fazer. Lembro-me sim de como tudo nela me fazia feliz e como não o tenho conseguido ser, desde que partiu.
Dois meses…
Dois meses depois de lhe dizer “Adeus”, plantei uma arvorezinha que dará flores na Primavera. Com pétalas brancas, como eu adoro! Uma planta que utilizará nos seus ramos as moléculas de que era feita. Não terá o seu brilho é certo, mas terá vida!
Vou recorda-la até que estas lágrimas se cansem de cair… E, a partir desse dia, Fofa será “só” a melhor memória que alguma vez terei guardado!

Dois meses…
Dois meses sem escrever.
Estes são os primeiros dois meses “do resto da minha vida” como me fizeram ver…
Mas ainda não aprendi a viver sem ela, a minha querida cadela!

ss

5 de outubro de 2006

'Case you...

Três da manha. Coimbra. Amigos!! E tudo volta à cor maravilhosa que tinha no primeiro ano: o cheiro da terra molhada, a cerveja derramada pelos caminhos. As passadas desajeitadas que se deixam ver por debaixo da capa justa ao corpo.
Gente pelas ruas, alegria, excitação... felicidade?
E tu, aqui! Na minha mente…

“You want to stay with me in the morning
You only hold me when I sleep,
I was meant to tread the water
Now I've gotten in too deep,
For every piece of me that wants you
Another piece backs away.

'Cause you give me something
That makes me scared, alright,
This could be nothing
But I'm willing to give it a try,
Please give me something
'Cause someday I might know my heart.

You already waited up for hours
Just to spend a little time alone with me,
And I can say I've never bought you flowers
I can't work out what the mean,
I never thought that I'd love someone,
That was someone else's dream.

'Cause you give me something
That makes me scared, alright,
This could be nothing
But I'm willing to give it a try,
Please give me something,
'Cause someday I might call you from my heart,
But it might me a second too late,
And the words I could never say
Gonna come out anyway.

'Cause you give me something
That makes me scared, alright,
This could be nothing
But I'm willing to give it a try,
Please give me something,

'Cause you give me something
That makes me scared, alright,
This could be nothing
But I'm willing to give it a try,
Please give me something
'Cause someday I might know my heart.

Know my heart, know my heart, know my heart”
(James Morrison)
SS

29 de setembro de 2006

Falta-me aqui uma estrela...

Vincent Van Gogh
Sabes onde encontra-la?

ss

23 de agosto de 2006

Extase

sonhos que se superam a si mesmos.
Mais que realização, mais que felicidade...
Lágrimas de extase, puro extase!
...Como um flutuar

ss

9 de agosto de 2006

Sometimes, when I look deep in your eyes, I swear I can see your soul

Secrets I can’t keep

Let me in, unlock the door.

E os entretantos /São as minhas esperas



Obrigado!!

28 de julho de 2006

Uma carta

Sr. Príncipe dos Baloiços:

Talvez não devesse escrever-te assim de surpresa! Talvez... A verdade é que não me tenho reconhecido: já não encontro as dúvidas (quase não me lembro de algum dia as ter tido). Os meus dias são agora recheados de momentos marcados por um coração acelerado que se quer abrir, e começo a sentir-me esvaziada de forças que consigam parar estas palavras gritadas em murmúrios cada vez mais agudos.
Já passou algum tempo… mais lentamente do que eu previ, mas passou! Preciso confessar-te que tenho riscado todos esses dias num calendário pequenino que levo sempre comigo, junto às fotografias de que sou inseparável. Marquei a vermelho os dias difíceis e gosto de os apagar, um a um, dia após dia a preto (para que não se veja o vermelho da dificuldade…). À medida que o preto das saudades vai crescendo vou ficando esbatida num preto e branco que me lembra que é tudo passado!! Mas o vermelho ainda domina e o presente mostra-se longo… O futuro avista-se, mas distante, imprevisível, angustiante.
Esta noite não estou a conseguir dormir… facto que começa a tornar-se preocupante porque são 5 horas e para amanha tenho muitos planos (que vão precisar de todas as horas)! Desde que voltei do cinema não consigo parar a tempestade de pensamentos que me cruza o olhar e me tolda a coordenação. Pequenas frases simples, acompanhadas de uma paisagem inspiradora que me enche o olhar de uma lado ao outro da tela, despertam pensamentos sentidos até a ponta dos dedos. Como incendiárias sem escrúpulos ateiam um sem fim de chamas que se sucedem numa cadência angustiante que não me deixa dormir.
“E se for tarde demais?” Argh! o Futuro…
Agarro o mp3, visto o casaco de malha (cor-de-rosa) e vou para o lugar que me tem servido de refúgio à maré agitada de pensamentos que tem assolado a minha costa. Sinto-me estranhamente leve: não tenho dúvidas e isso deixa-me confusa. Duvido da minha falta de dúvidas. Nunca me apeteceu, como hoje, rodopiar no meio da rua e gritar bem alto o que me preenche (tão levemente) a alma. Sinto-me tão leve que quase duvido ter alma! Nunca tive tanta vontade… tanta saudade.
Sento-me num baloiço e imagino-te ao meu lado. O balanço doce do meu corpo combina-se com a leveza da minha alma e vou sonhando com todas as palavras que tenho guardado para ti. Guardo-as como a um tesouro precioso, o mais precioso que alguma vez pude tocar.
A frescura do ar nocturno lembra-me as noites frias e húmidas, partilhadas nestes mesmos baloiços. Daqui as estrelas são ofuscadas pelo brilho do candeeiro que me habituei a ver reflectido nos teu olhar. Saudades… Saudades das estelas vistas da tua varanda de onde ”sem nevoeiro, podes ver o mar”. Saudades de tentar coordenar o meu balanço com o teu. Saudades dos meus gestos desajeitados na tua presença. Saudades da tua voz. Saudades das tuas risadas de piedade pelas insanidades que digo às horas tardias. Saudades do último beijo de despedida.
Saudades de te ouvir dizer o meu nome.
“E se for tarde de mais?”.
E se a consciência desta leveza for demasiado pesada para o meu futuro?

PS1 - bah..... mas eu não disse que não tinha dúvidas?
PS2 - hoje dei por mim com dois relógios: os mesmo minutos, mas horas diferentes!
tua,
Sílvia

2 de julho de 2006

Sabes...

12 de junho de 2006

Novos Sons

É tão inexplicável doce esta sensação desembrulhar um novo CD: gosto sempre de o observar atentamente antes de lhe tirar o plástico. Detenho-me nos pormenores ínfimos como os números do código de barras ou a etiqueta do “preço verde fnac”. Hesito um pouco antes de arrancar aquela fina película que o protegeu, até ter chegado a mim. Faço-o com o cuidado de quem cumpre um ritual. Não é um procedimento sagrado, muito menos secreto, mas é um conjunto de gestos que transforma um CD igual a milhares (as vezes milhões) de outros em meu.
Depois vem a emoção de abrir a caixa e vê-lo pela primeira vez: um pequeno circulo de brilho prateado onde há sempre pequenas surpresas. Com um só dedo vou rodando-o na caixa até que as letras fiquem perfeitamente na horizontal. O título, os autores, a editora, tudo parece ter um encanto diferente quando o olho pela primeira vez. Cada um tem uma energia difrente, mas igualmente poderosa. Pressionando com o polegar o centro da caixa, vou percorrendo todo o perímetro daquele círculo que parece ter poderes magnéticos e capta toda a minha atenção. Decido então aplicar uma força numa pequena porção da borda, puxando-a para mim. Basta um pequeno som seco e já o tenho na mão: então demoro-me mais um pouco enquanto procuro a minha imagem no verso do CD, por entre as cores do “arco íris” que cada CD tem em si.
Ligar o leitor de CDs. Esperar (uma eternidade) até que a porta suba os centímetros suficientes para que possa encaixar o meu precioso circulozinho. Esperar mais longos segundos que volte a descer. Carregar naquele triângulo universalmente conhecido e ver o CD a bater a inércia começando o seu movimento rotativo… cada vez mais rápido.
Surgem os primeiros sons: recosto-me na cadeira, arranjando a melhor posição para colocar as pernas entrelaçadas uma na outra. Agora sou toda ouvidos!!!

É tão espectacularmente inebriante ouvir uma música, não pela primeira vez, mas pela segunda: e deixar a mente flutuar para a primeira vez que a ouvimos. De olhos fechados vou relembrando cada passo de dança, cada abanar ancas, cada agitar de braços, cada pressionar de teclas, cada expressão do interprete… O silêncio da plateia, que ouvia atentamente a nova canção, interrompido pelas palmas e outras manifestações de felicidade invade-me a mente. Seguem-se mais músicas, mais imagens arrepiantes de uma das melhores noites de sempre: canções cantadas no tom mais alto que me era permitido! A excitação de uma noite de Primavera com sabor a Verão, relembrada num abraço cantado que foi partilhado com amigos. E como é bom sentir o cheiro a novo das folhas que vou virando a cada música. As páginas escuras são alternadas com as páginas claras: todas num azul que se vai apresentando com diferentes intensidades. Páginas que se vão pintado aqui e ali com outros tons, alguns cantados, outros imaginados… sempre sob um mar de aço que não me permite sair deste sonho acordado.

De todos os dose pequenos momentos de descoberta que esta tarde me proporcionou, destaco aquele que deixou um sabor doce de beijo nos lábios, e que me deixou suspensa, até agora, na minha própria viagem deMente:

“I don’t want to be adored
Don’t want be first in line
Or make myself heard
I’d like to shine a liltle light
To shine a light on your life
To make you feel loved

No, I don’t want to be the only one one you know
I want to be the place you call home.

(...)

Just shine, shine shine
Shine a liltle light
Shine a light on my life
And worm me up again ”

SS

17 de abril de 2006

Fotografar

Qual será a distância máxima entre a verdade e a realidade? É verdade que aquela linha longínqua do horizonte separa os verdes dos azuis, a água do ar… Mas por mais que corra, viaje, navegue não posso nunca tocar-lhe… apreciá-la mais de perto! Vai ser sempre assim fugidia e inatingível. Irreal!! E todo aquele brilho cintilante me parece um manto de diamantes que gostava de puxar e usar como refúgio. O vento sopra constante, criando a ilusão de um abraço apertado e envolvente. As nuvens flutuam como se fossem farrapinhos de algodão dispostos ao sabor da brisa.
Vidrada na perfeição de cores combinadas pelo pincel mais perfeito, fico a imaginar como seria delicioso ver esta praia reflectida nos teus olhos. E num pequeno toque aprisiono, para sempre, o enrolar de uma onda nesta tarde ensolarada; em menos de um segundo tenho todas as cores transformadas em pequeninos pixeis que a noite não pode levar.

Continuo, boquiaberta, a encher-me da emoção das cores, dos brilhos, dos cheiros. Ouvindo os sons repetidos da água que refresca os meus pés descalços. Salpicos de luz vão molhando-me o vestido branco. Uma onda maior arrasta a areia e o chão parece mover-se… mover-me de encontro à água, tão verde! Sorrio e deixo que a água me pinte a roupa em tons de mar, que as ondas me embalem a alma e que a maresia me devolva as lembranças desta praia: a minha praia.

ss

2 de abril de 2006

Terapia da Tristeza

Depois de tantos dias de uma felicidade inexplicavelmente louca e contagiante, até um dia menos feliz me parece triste. Abandono-me na cama e imagino a tua mãozinha branca a separar-me o cabelo em pequenas mechas e a penteá-lo até que nenhum fio esteja desalinhado. Posso ver-te a cara de consternação por não saber o que me dizer, por que sentes, como eu, que esta tristeza não tem outro sentido senão aquele que eu lhe teimo dar. Continuas a entrelaçar os dedos pelo meu cabelo e olhas-me com a ternura de quem o acha incrivelmente bonito. Sorrio quando imagino o franzir da tua sobrancelha a adivinhar o meu “Bahh, bonito o meu cabelo?! É porque sim”. Conheces-me tão bem…
Recosto-me entre os lençóis e imagino-te a cantar, baixinho, so para mim.

“It isn’t very dificult to see why
You are the way you are.
Doesn’t take a genius to realise
That sometimes life is hard
It’s gonna take time
But you’ll just have to wait
You’re gonna be fine
But in the meantime

Come over here lady
Let me wipe your tears away
Come a little near baby
Coz you’ll hael over
Heal over
Heal over someday

And I don’t wanna hear you tell yourself
That these feelings are in the past
You know it doesn’t mean they’re off the shealf
Because pain is built to last
Everybody sails alone
But we can travel side by side
Even if you fail
You know that no one really minds

Come over here lady
Let me wipe your tears away
Come a little near baby
Coz you’ll hael over
Heal over
Heal over someday

Don’t hold on but don’t let go
I know it’s so hard
You’ve got to try to trust yourself
I know it’s so hard, so hard

Come over here lady
Let me wipe your tears away
Come a little near baby
Coz you’ll hael over
Heal over
Heal over someday”

(KT Tunstall)

É incrível como esta música se aplica às duas. Uma sempre com a outra. De amiga para amiga.

ss

1 de março de 2006

Carnaval!!

"Nas trincheiras d'alegria
o que expludia era o amor!!!"
ss

20 de fevereiro de 2006

O meu dia dos namorados

14 de Fevereiro… um dia marcado, definitivamente pela cor vermelha. Não um vermelho dos corações anafadinhos que se vêm por toda a cidade. Não um vermelho de um qualquer ramo de rosas dos que se viam nas mãos mulheres atarefadas, em mais um dia igual aos outros. Não o vermelho das faces de dois jovens que corriam para apanhar o metropolitano; não o vermelho dos sacos que cada um carregava. Definitivamente… não o vermelho de um banco de jardim num tempo longínquo. Para mim, vermelho é a cor do cravo, e os cravos são saudades… tuas!

Foi por essa cor: a cor das lembranças, dos ideais… dos sonhos… que me levantei cedo nesse dia. Na noite anterior, enquanto adormecia, pude ver o teu sorriso e quase senti a tua mão enrugada a demorar-se no meu cabelo. Foi a forma que a minha outra metade (inconsciente) encontrou para me dizer que tinha de te visitar.
Pouco passava das 9 quando cheguei à estação de São Bento. Devia ter seguido para Campanha, mas essa estação já me é demasiado familiar: hoje queria que o meu dia fosse diferente. Com muita calma fui caminhando para a bilheteira, apreciando cada um dos milhares de azulejos:
- Bom dia! Queria um bilhete para Valadares.
Não sei exactamente porquê, mas gosto muito da palavra “Valadares”, é aberta, alegre! Acho que pronuncia-la provoca um esgar de sorriso até nos lábios mais tristes… Valadares! Soa mesmo bem.
A viagem foi feita por um caminho cansado de ser percorrido… por mim. Mas hoje absorvi a paisagem de uma forma diferente… menos cansada (não tive de correr para apanhar o comboio, e se o tivesse perdido, provavelmente não me teria preocupado, pois hoje o meu dia não tinha horas… tinha momentos que eu desejava ardentemente saborear).
Chegada a Valadares, reparei que nos canteiros da estação todas as flores estavam murchas. Dantes havia pequenos jardins bem desenhados e cheios de flores coloridas durante todo o ano… Lembro-me até que havia girassóis (uma vez roubei um… o que me custou uma reprimenda de uma dolorosa meia hora). O edifício da estação está cuidado, pintado de novo num branco ainda imaculado. O relógio antigo, que eu adorava ver mover-se, lá continuava a galgar os segundos e a cruzar os minutos de cada hora. Em criança lembro-me de achar que aquele relógio andava demasiado de pressa…
- Não deve estar bom – pensava sempre.
À medida que crescemos o tempo parece fugir-nos e os dias nunca chegam para fazer o que planeamos… Mas olhando para o mesmo relógio, hoje ele parece-me igualmente saltitante e move-se da mesma forma impiedosa… as vezes é bom saber que há coisas que nunca mudam.

Deambulei pelas ruas da Vila bebendo cada mudança. As grandes amoreiras que havia nas escolas primárias já não mais erguiam os seus longos e altos ramos. As escolas também já só existiam na minha memória. Ocorreu-me que também os bichos-da-seda que habitavam por lá já tivessem sucumbido à pressão imobiliária. Continuando pela mesma rua encontro o largo da igreja com o seu coreto bem conservado. As velhas tílias estendem os seus ramos totalmente despidos esperando pela Primavera para se voltar a exibir de verde.
Entro no recinto da igreja. Não gosto de templos, parecem-se sempre lugares desconfortáveis, frios! Talvez porque são lugares de um culto em que não acredito… para mim estão cheios de sentimentos que não me preenchem, e por isso fazem-me sentir gelada!! Contorno o edifício sem sequer o olhar. Enquanto vou serpenteando pelos caminhos estreitos de cimento, prendo o olhar no céu: é o único refúgio possível, porque tudo o resto são flores, velas… e caras de pessoas que já não existem. Também não gosto de cemitérios (quem gostará!?)… Não pelo medo de uma alma penada, ou de um espírito traquina… Não gosto pelo significado: a morte! O fim! É tão triste quando não há mais nada, quando não há mais dias, mais sorrisos, mais lágrimas, quando não há mais oportunidades de mudar, de repetir, de aprender e de ensinar… quando não há mais vida! É um vazio e é aterrador!
Sem dar conta já cheguei à tua campa, acho que as minhas pernas já estão programadas para funcionar sem o comando dos meus pensamentos, que se perdem sempre pelo vazio deste lugar tão feio.
Não te trouxe flores (desta vez cumpri o prometido), trouxe só saudades… muitas saudades das histórias que me contavas, dos ditados que repetias milhares de vezes. Saudades da mulher cheia de força que eras… Saudades dos momentos que vivemos juntas.
Sento-me na ponta do mármore branco do jazigo. Tem um veio castanho claro muito bonito e lembro-me que foi por isso que fiz pressão para que o escolhessem. Pouso a mão na pedra fria e, levemente, percorro-a de uma lado ao outro. Sei bem que não podes sentir o carinho que transmito para a pedra… mas continuo assim mesmo. Hoje a minha “visita” tem um sentido especial… Quero conversar contigo, contar-te segredos… sonhos, rever memórias contigo… memórias que me enchem mesmo nos dias mais tristes e que me fazem ter orgulho em mim, mesmo naqueles momentos em que me sinto falhada.


Era dia 24 de Dezembro, em casa sentia-se a azáfama do Natal… Chegamos cheios de sacos com presentes e cada um ia olhando para o volume dos embrulhos, tentado imaginar o que estaria por baixo do papel em tons de vermelho. Não sei bem a razão, mas acho que toda a gente almeja por um presente gigantesco com um grande laço a condizer. Eu mesma sonho com um embrulho tão grande que não o pudesse carregar sozinha… Mas nesse Natal sabíamos que ia ser diferente. Na cabeceira da mesa faltava-nos a referência da família… a matriarca que era um exemplo para todos… sem excepção. No ano anterior tínhamos arranjado uma solução engenhosa de te transportar para a mesa. Sentamos-te no teu cadeirão vermelho e os dois desceram as escadas pelas mãos dos homens da casa. Nunca te pude dizer, mas adorava, e adoro, o carinho que tinhas por todos eles. Só tiveste filhas… E só tiveste netas. Por isso acho que fizeste desses homens os teus filhos e os teus netos.
Recordo-me de ter subido as escadas com alguma relutância… custa-me tanto ver-te assim, prostrada numa cama, sempre com os olhos semi-cerrados. Mas enchi-me de força e subi… pousando os dois pés em cada degrau… demorando-me. Quando entrei no teu quarto tinha um nó apertado na garganta. Pousei a minha mão gelada sobre a tua e disse-te um “Olá vó!” com todo o amor que tinha. Estremeceste… e abriste os olhos. Abriste muito! Pude vê-los bem enquanto olhavam os meus. Apertaste a minha mão com força e disseste “Sílvia, minha netinha” com aquele sorriso aberto que tanto te caracterizava. Nunca me esqueço desse sorriso, nunca. Pela sua beleza, pelo seu sentimento, e pelo orgulho imenso com que me encheu. Há, mais de dois meses que tinhas deixado de reconhecer as pessoas. A medicação contra as dores deixava-te num estado suspenso, difuso. Apertei ainda mais a tua mão e beije-te a face. Ficaste agitada e voltaste de novo às palavras sem sentido, os olhos fecharam-se e pude ver duas lágrimas a percorrer a tua face até se precipitarem na almofada.
Quando desci as escadas para voltar à sala, sentia-me a flutuar… Sentia-me abençoada pelo sorriso mais bonito da pessoa mais bonita que conheci. Esse Natal foi silencioso. Não te ouvíamos a refilar. Aquelas horas entre o jantar e a meia-noite foram dolorosas, porque, pela primeira vez não as passamos todos juntos. Cada um dispersou para um local diferente. Alguns viam TV, outros liam revistas. Havia um ou outro ponto de conversa, mas não se sentia A Família como dantes. Ficamos perdidos: ninguém jogou ao bingo porque eras sempre tu a tirar as peças daquele saco vermelho… Não houve brincadeiras com as “rodelinhas” vermelhas que serviam para marcar os números de cada cartão… o avô não colou uma das fichas na testa e não pronunciou sons estranhos a imitar um indiano… Ninguém roubou, sorrateiramente, nenhuma moeda do envelope do vizinho. Ninguém gritou Bingo!! logo ao primeiro número. Ninguém ganhou! À meia-noite não estávamos todos na mesma sala, não houve gritinhos histéricos de felicidade. Reinava uma tristeza profunda pelo primeiro ano sem a tua alegria, o teu sorriso.
No dia 25 não subi as escadas para te ver… custava-me sempre tanto ver-te assim parada. Odiei-me por não conseguir que as minhas pernas se movessem… Nem depois do jantar, quando todos subiram para se despedir. Não subi. Durante o caminho para casa, enquanto olhava as luzes reflectidas no alcatrão molhado, arrependi-me muito de não te ter tocado novamente, de não te ter beijado a face, de não te ter dito que te amava. Deitei-me com os olhos vermelhos de lágrimas que não chorei. Dormi, dormi, dormi… até o telefone ter tocado no dia seguinte…
Dia 26 de Dezembro… Não é só o dia em que um terramoto destruiu meio Irão, em que um Tsunami arrasou meia Ásia… É o dia em que metade de mim se derreteu em lágrimas, em lembranças, em vazio.

Hoje, dia dos namorados, lembro-me de ti: pelo vermelho e pela lição de vida que me deste: nunca me falavas de amor, nunca me falaste de paixão. Falavas só dos sonhos que comandavam a tua vida, da coragem, e da força que é preciso para os perseguir… e da felicidade que é alcança-los. Falavas-me da amizade e do dever de fazer sempre o certo, sempre! Mesmo que doa muito: “Nunca faças aos outros o que não gostas que te façam a ti”. Falavas-me de como precisamos dos amigos e de como é difícil tê-los sempre por perto. Falavas-me do perdão e do amor incondicional que devemos ter pelas pessoas de quem gostamos… pela família. E que bonita família construíste vó… sozinha! Que orgulho.

Olhando para a tua lápide, hoje compreendo na totalidade uma das frases que tantas vezes repetias:


O passado não foi feito para voltarmos atrás, foi feito para nos apoiarmos quando queremos dar um passo em frente...

E tu és o meu grande apoio: o pilar que vai sempre suportar a minha ponte e que nunca me deixará cair no vazio.

Hoje dei mais um passo em frente.

ss

12 de fevereiro de 2006

Da minha janela...


Hoje, antes de adormecer, o dia disse-me que tudo ia ser diferente... já amanhã!!

ss Posted by Picasa

6 de fevereiro de 2006

Promete!

Da proxima vez, promete que me vais olhar quando eu passar por ti, aterefada com o tempo que ainda falta para te voltar a ver… Perdida no pouco espaço que nos separa e com medo que possas sentir que o meu coração quase se explode… só de ti.
Promete!
ss
" So I look in your direction
but you pay me no attention, do you
I know you don't listen to me
Cause you say you see straight through me, don't you
But on and on,
from the moment I wake
till the moment I sleep
I'll be there by your side
just you try and stop me
I'll be waiting in line
just to see if you care"
(...)

3 de fevereiro de 2006

Girassol

Adoro estar sozinha em casa… Assim posso usufruir de cada cantinho dela e fazê-la minha, a minha casa... Por exemplo, acender as luzes da árvore de Natal, a uma cadência lenta, ao dia 2 de Fevereiro; trazer o rádio e coloca-lo bem no meio da sala, escolher um CD e encher toda a casa dos sons de que mais gosto. Ontem atirei-me, com velocidade, para o sofá. Com o pé direito pressionei o calcanhar da sapatilha esquerda, e depois, já com um pé descalço, empurrei a sapatilha direita… enrolei-me então na mantinha de xadrez vermelha. Remexi-me várias vezes até encontrar a melhor posição para o meu corpo esgotado e rendi-me à doçura do sono. Sono calmo e feliz de dever cumprido. Um sono libertador. Ontem, cansada, dormi no meu sofá… sem nada na mente, só um vazio bom que me abraçou e me levou para aquele mundo onde os sonhos são realidade. E eu sonhei. Numa bonita manha de Primavera, vieste bater à minha janela só para me dizer “bom dia princesa”. Só mesmo nesse mundo era possível escavares um morro de terra escura até ao sexto andar, para lá bem no cimo, plantares um girassol! Não (só) porque essa é a minha flor favorita, mas porque isso era um realizar de um sonho antigo (que voltou agora por culpa de um certo comercial de TV). E não há nada mais realizador do que o concretizar dos sonhos.


Ah….Girassol! Sabias que um girassol são na verdade centenas de flores que se compõem numa inflorescência chamada de capítulo? Cada pétala é uma flor, estéril, cuja função é atrair os polinizadores. Sabias que o movimento que esta flor (flores, alias) fazem, virando-se sempre para o Sol se chama de heliotropismo? Não é incrível que um ser sem sistema nervoso possa percepcionar em que direcção está o Sol? No meu sonho pude ensinar-te muito mais destas "coisas da natureza", enquanto nos passeávamos pelo jardim… não um qualquer jardim, mas aquele onde nos conhecemos. O dos meus sonhos. E então giramos os dois, como um só, por baixo do mais bonito sol, aquele que alumia a terra dos sonhos.

Acordei sobressaltada pelo meu telemóvel novo (leva tempo até nos habituarmos a novos sons…)

- “Tou… querida? Já chegamos!!”.

Ainda perdida entre aquela linha breve que separa o sonho e a realidade pensei no poder gigantesco que uma só letra pode ter: É que entre o sono e sonho é que tu estás… distante, quase inatingível… perdido pelos quilómetros da distância nos separa. Não te sei sonhar acordada. Não te vejo, não te sinto, quase nem te conheço… mas quero-te muito!
Quando vens acordar-me?

ss

29 de janeiro de 2006

Fotografia

É incrível o poder de uma imagem… A magia de uma folha papel fez-me recordar momentos felizes como há muito não conseguia. Trechos de vida deslizaram por um pedaço de caminho sem atrito, sem gravidade… ao sabor dos ventos da alma. Não senti o peso da mágoa, não me ouvi resistir. E por pequenos instantes foi possível colorir recordações. Ver as cores dos sonhos, das partilhas. Sorrir com as cumplicidades desajeitadas. Mas tudo foi ficando mais distante, diluindo-se pelas dificuldades da vida. As lágrimas que turvavam o olhar largaram-se sem que as pudesse segurar (gostava de as ter guardado) e as mãos tremeram com a agitação de um coração quase parado. Sufocam-se os soluços.
Depois veio o abraço apertado que amparou a saudade. O abraço de sempre, a amiga de sempre...
Se ao menos pudesses saber como me dói… e dói tanto. Arrancaste-me tantas memórias… Talvez nem tu as possas devolver, mas pelo menos hoje, fizeste-me sentir saudades delas.

ss

20 de janeiro de 2006

Feliz Aniversário!

Hoje o meu querido bolg faz dois anos… Dois anos!! Aquela manhã de nevoeiros já foi há 24 meses, ainda que eu a sinta como se tivesse sido ontem: passei um dia inteiro em frente a este mesmo computador, tentando perceber para que serviam os “settings” e o “template”. Foram dois anos de mudança, de procura… de flutuações. 721 dias de vida preenchidos com momentos inesquecíveis.
Hoje, comemorando estes dois anos de partilha, gostaria de descrever um dos momentos que me fez criar o “Anti gravidade”:

Ainda não era tarde… mas já passava da hora a que nos costumávamos deitar. Não me recordo do encadear dos momentos, mas lembro-me de estar numa varanda pequena e cheia de neve. A roupa que eu trazia vestida não era suficiente e lembro-me do esforço que tive de fazer para que não percebesses que todos meus músculos se retorciam de frio. Não queria sair dali!! Estava uma noite muito bonita, já não nevava desde a tarde e podia observar-se uma imensidão de estrelas… Lembro-me de te apontar a Ursa Maior, que na ponta tem a estrela polar (“aquela que brilhava um brilho cintilante e que não parava de pulsar... ”). Lembro-me de te tentar mostrar a Cassiopeia, sem grande sucesso… e de te ter contado a história trágica dessa rainha condenada a um trono invertido. Olhávamos os dois para todos aqueles pontos cintilantes que eu ia apontando com o indicador, mas pensávamos coisas diferentes, radicalmente diferentes.
Quando o frio nos venceu, voltamos para o interior do Hotel. Vejo-nos sentados no sofá amarelo com um padrão de flores verdes que se estendiam em riscas verticais. Tu estavas virado para a frente, com os dois pés apoiados no chão… Eu tinha as pernas encolhidas e os joelhos apoiados no sofá. Estava virada para ti.
Quase nem falei… Odiei-me tanto por não conseguir responder a muitas das questões que nos ias colocando. Tantas vezes tinha sonhado com este momento e agora que ele acontecia estava bloqueada… paralisada pela tua forma de dizer e viver as situações. Na altura a nossa conversa pareceu-me antes um monólogo. Hoje vejo-a antes como uma aula. Falavas-me do núcleo, do cerne. Acho que foi nessa noite que tive noção das razões que me faziam adorar-te tanto. E quando digo adorar, falo num sentido de admiração e não de amor ou paixão... Puro deslumbramento!! Eras tão diferente de qualquer outra pessoa que tivesse conhecido. Tão profundamente intrigante… cada minuto que ia passando contigo provocava-me uma imensa fome de ti, uma fome desses teus pensamentos que ias exprimindo também com as mãos. Foi aí, enquanto conversávamos sobre o “cerne” (que com a potência máxima faz girar o pouco que resta de uma partícula morta pelo vazio de energia que existe entre nós… como um dia escreveste) que me deste uma pequena lição de vida. Guardei-a meticulosamente e sigo-a como se fosse a minha religião.
À tua frente estava pendurado um quadro, não me lembro das suas cores nem tampouco as suas formas. Lembro-me só da tua metáfora deliciosa:

Sílvinha, tens de pensar na tua vida como um caminho que precisas percorrer. Tu sabes onde queres ir, não sabes? Sabes que o teu objectivo é chegar aquele quadro. O caminho que vais fazer até ele depende muito de ti, mas tu sabes que o vais percorrer. Se puderes levar alguém contigo, será mais agradável. Ocasionalmente poderás parar e partilhar um pouco desse caminho difícil que precisas fazer para chegar até aquela pintura. Mas se fores sozinha, conversarás menos talvez, mas não perderás a convicção de que tens de lá chegar. E quando chegares… Bem, se fores acompanhada poderás comentar a moldura, quem sabe a técnica do pintor! Poderás ouvir uma opinião diferente do que o autor pretendia representar naquelas formas. Mas se fores sozinha, também poderás apreciar o quadro, também verás as cores, as formas, e também terás uma teoria sobre o seu significado…
Sílvinha, sabes o teu caminho, se o vais percorrer sozinha ou acompanhada é secundário e, não dará mais ou menos significado à tua conquista.


Talvez já nem penses desta forma… mas nem imaginas a importância que as tuas palavras tiveram e ainda têm na minha forma de estar e de ver este longo percurso que é viver. Obrigado!!

ss

17 de janeiro de 2006

O ano passado... (parteII)

Quando deixo de te ver encosto a cabeça ao vidro. Fecho os olhos e vou deambulando por pensamentos presos pelo cansaço. Não tive tempo para te dizer… bem, talvez não to dissesse de qualquer forma, mas há em mim um grande vazio por não poder partilhar contigo esta noite. Relembro quando no dia 9 de Abril corri, loucamente, ao teu lado, para conseguirmos um lugar, bem lá na frente. E conseguimos! Juntas conseguimos sempre tudo! Recordo os planos que tinha para esse dia, a excitação quase incontrolável de estar a viajar para Lisboa… para ti! Será que ainda te lembras banho de “Doritos” que tivemos no final concerto?
Enquanto me perdia nestas doces (talvez mais salgadas…) memórias, já era altura de mudar de linha. Acompanhada por uma pequena multidão de desconhecidos mudo para a linha vermelha. Chegam as carruagens. Escolho um lugar junto a uma janela. Nos minutos seguintes fico a observar cada uma das pessoas que entra e sai do metropolitano. Ao fim de mais de dois anos em Coimbra, estas cidades grandes parecem-me frias, quase insensíveis… Não há caras conhecidas, nem sorrisos. As pessoas parecem todas cinzentas e cansadas de mais um dia triste de uma vida sem grande sentido. Quando que se ouviu “ Estação do Oriente” já me tinha levantado e esperava ansiosamente que a porta se abrisse. Comecei então uma espécie de “contra-relógio” desenfreado por entre pessoas indiferentes, barracas de artesanato, famílias consumistas e enfeites de Natal… subi e desci longas escadarias até que, finalmente, cheguei. Pela quarta ou quinta vez nesse dia, suspirei de alívio. Quando entreguei o bilhete ao segurança a minha respiração estava tão alterada que quase nem consegui responder quando este me perguntou se tinha alguma coisa nos bolsos. Acenei que não e, aparentemente, ele confiou. Com a mesma pressa desci os dois lanços de escadas que me permitiam chegar a esse grande recinto.
Quando pude rever todo aquele pavilhão, já totalmente cheio de gente, senti uma gigantesca nostalgia de outros concertos. Senti a tua falta… e enquanto me encostava a uma parede, tentando regularizar (mais uma vez) a respiração, “abracei” o teu casaco. Não te pude trazer, mas trouxe mais um pedacinho de ti (sim, porque tenho outro pedaço teu… enorme, tremendo, imenso, sempre no meu coração). Semicerrei os olhos e relembrei uma dessas noites:
O concerto abriu com "Politik". Depois, ainda sentado ao piano, Chris Martin agarra o microfone e diz algo como “Isto é increivele! Estemos muiito felisses de esstar aqui”. Cada música era um transbordar de imagens de dias vividos com a toda a alma. Recordo a “Don’t panick” … ainda hoje sou capaz de me lembrar do som que o Jonny tirava da harmónica. Outros sons, outras paragens… outras “flutuações”. As luzes apagaram-se… Ouve-se um “temoss que ir”… seguido de um “maybe... we don't have to 'temos que ir'”. Aplausos, muitos aplausos e um feixe verde que era interrompido pelos dedos, enormes, do Chris ao som da ”Clocks”. E quando se pensava que era o fim… ele volta, sozinho, para “Amsterdam”… se há momentos que são verdadeiramente inesquecíveis, este é um deles!!
Quando caio em mim, apercebo-me que já são quase 9 horas e que ainda preciso chegar até aos meus companheiros. Inicio uma viagem longa por entre fãs impacientes… de inicio consigo passar com alguma facilidade, distribuindo “desculpe” e “com licenca” a cada dois segundos. Mas a viagem começa a tornar-se mais lenta e as caras já não me recebem com sorrisos. Encontro uma parede humana de olhos fixos no palco... A situação piora a cada centímetro que tento avançar… e a minha pouca altura não me permite ver onde os meus amigos estão.
“Mesmo no centro do palco, segue pelo centro...”- vão-me gritando pelo telemóvel.
Luto contra a gravidade, dando pequenos saltinhos, para tentar vislumbrar as quatro mãos que eles elevavam no ar. Dado o insucesso desse meu esforço decido pedir ajuda a um grupo de pessoas com um ar bem simpático:
- “Por acaso estão a ver algumas mãos a abanar-se aí pela frente”?
Sorriem-me e dizem que sim... indicam-me a direcção. Mais uma vez devo ter feito uma cara tão estúpida que um deles se apressou a perguntar:
- “Queres que pegue em ti para perceberes melhor a direcção?”
E estavam tão longe… já tinha sofrido tantos apertões, tantas caras feias… e ainda havia tantas cabeças a separar-nos.
-“Ai… não consigo! Desisto! Não dá”- balbuciei enquanto me pousavam de novo no solo.
Então, um dos rapazes colocou as suas mãos sobre os meus ombros e disse-me:
-“Hey? Se já vieste até aqui, não vais desistir agora. Já falta pouco.... Anda lá!”.
Não resisti e dei-lhe um abraço, um abraço apertado de cumplicidade de quem sabia que aquela noite era para ser partilhada.
Por entre estes abraços e muitos, muitos agradecimentos já estava eu, de novo, a tentar quebrar essa barreira de corpos quentes e ansiosos…
- “Bom concerto” – ainda ouvi gritar!!
A cada metro que me movia, mais difícil parecia a tarefa de os alcançar. Mas lá fui avançando, determinada, até conseguir ver as tuas mãozinhas a acenar freneticamente.
Quando te vi, de costas, uma felicidade imensa preencheu todo o meu ser. Uma inexplicável sensação de concretização encheu-me de força para gritar por ti:
- “Joooããããõooooooo”.
Viraste-te e quando os teus olhos se alinharam com os meus, pude ver-te um sorriso lindo, e tão feliz como o meu! Gritando o meu nome, estendeste-me a mão... Não sei quanto tempo demorei até a conseguir tocar, mas quando os nossos dedos se sentiram as luzes apagaram-se. Tive o teu abraço, já no escuro, envolvido na euforia de um público em delírio com a noite que se esperava. Essa foi a última vez que suspirei de alívio...
Vivi mais uma noite de puro êxtase: com farrapos de sonhos revolvidos por sons de uma vida cheia de momentos inesquecíveis. Emoções à flor da pele… recordações marcantes que se soltavam, levemente, com as letras cantadas, de olhos fechados, tentando reter lágrimas que não paravam de rolar... Mil abraços de ternura e palmas rendidas às melodias que fazem parte de mim...


Foi já enquanto subia a escadaria branca, que me leva para a tua casa, que me ocorreu que este dia representava, muito bem, o ano que terminava: horas imensas de uma agonia interminável, de uma tristeza quase aguda, de uma profunda prostração… para pouco mais de 3 horas de uma imensa felicidade. Traduzindo… este ano tive de penar longos dias desertos de sentido e sentimento para poder, em alguns momentos, ser absolutamente feliz. E valeu a pena? Valeu!! Não pude ainda deixar de pensar como as duas pessoas mais importantes desse meu dia, tinham sido, também, as mais importantes deste meu 2005.

ss

6 de janeiro de 2006

O ano passado... (parte I)

Acordei às 8:05 da manha do grande dia… Gosto sempre de me deixar dormir um bocadinho, enquanto vou sonhando, semi-acordada com o dia que vou ter! Vou pensando na roupa que irei vestir, nos brincos que vou usar… Quando o ponteirinho do relógio chega às 8:30 decido finalmente que já é hora de me levantar! Cumpro à risca todos os procedimentos que fui “sonhando” e passados vinte minutos já estou à porta do elevador com duas bolachas na boca e um iogurte líquido metido no bolso. A passos largos vou para a primeira aula dessa quarta-feira. Chegada ao anfiteatro do jardim botânico, sento-me na penúltima fila, onde o meu lugarzinho ainda está à minha espera. Como é sistemático chegar atrasada já ninguém ocupa aquele lugar (que gosto de chamar de meu), pois é quase certo que terão de se mudar. Baixo a cadeira, tentando que o ranger da madeira não interrompa a explicação sobre o “Potencial Eléctrico da Membrana Mitocôndrial”. Passado esse grande desafio vou desenrolando o cachecol, tirando as luvas e finalmente desaperto o meu casaco. Abro a pasta e retiro o caderno que tem o porta minas enfiado na espiral… Passados quarenta e cinco minutos acabo a aula a pedir que alguém me empreste os apontamentos, pois tudo que eu consegui escrever foi a data… 23/11/2005…

Hoje é Coldplay!!

Nas aulas seguintes o resultado não foi muito melhor… À hora de almoço corro para casa pois tenho ainda a mala por fazer. À entrada do meu prédio, enquanto procurava a chave para poder abrir a porta, deixo cair o enorme maço de fotocópias que tinha transportado, tão cuidadosamente até aí. Estamos agora perante um cenário surreal de folhas a voar por todo o lado ao som dos meus gritinhos e pedidos de ajuda. Enfim… ao entrar em casa tenho um enorme monte de folhas sujas e desorganizadas. Terminada a mala tento ainda organizar algumas fotocópias, mas a excitação cresce e já não consigo distinguir os acetatos de Neurobiologia dos de Ecologia… parecem-me todos iguais: rectângulos (dois por folha) cheios de esquemas cujo único intuito é a possibilidade de me fazerem perder o “29” (qualquer dia farei uma dissertação sobre essa bela carreira de autocarro; hoje já estou demasiado atrasada!). Decido por fim deixar tudo assim mesmo, bem no meio da minha cama. Corro de novo para o elevador, que me parece demorar uma eternidade a chegar ao 6º andar… ainda há tempo para os últimos retoques no penteado e, como sempre, para colocar os brincos e o relógio. Ao abrir a porta de saída vejo que o autocarro já se aproxima… Lanço-me numa corrida louca, cheia de obstáculos como vários lanços de escadas acabadas de lavar e o transporte de uma mala que pesa mais do que eu e que decide “aqua-planar”… Ai esta luta desigual que eu tenho com a minha mala… (este é so mais um defeito da gravidade!!)

Suspirei de alivio quando, finalmente, me consegui sentar no autocarro! Esta, pensava eu, era a pior parte… porque o “29” é, a cada dia, uma aventura! Chegada à estação rodoviária deparo-me com uma fila de umas 30 pessoas… e já só faltam 5 minutos para o meu expresso. Durante alguns segundos ocorre-me a possibilidade de perder o expresso e o pânico que me assola é tal que avanço decidida para a pessoa que está mais próxima da bilheteira.
- “Desculpe, importa-se de me deixar comprar o bilhete primeiro? É que o meu expresso parte daqui a 4 minutos.”
Simpaticamente a senhora diz-me que sim, que se importa porque….. (não valerá a pena referir aqui as suas razões). Mas, como nem todas as pessoas são #$%@&7!, um rapaz que está na fila pisca-me o olho e diz que me compra o bilhete.
- Vais ver Coldplay?
Devo ter tido uma expressão tão parva que ele logo se apressou a explicar que tinha reparado na edição especial da Blitz que eu trazia na mão. Deixei-lhe o dinheiro e o meu “cartão-jovem” para que me comprasse o bilhete, e fui pedir ao motorista que, por tudo que era mais sagrado, não se fosse embora sem mim! Só respirei de alívio (novamente) quando o expresso se começou a movimentar e vi a “Cabra” a ficar cada vez mais longe, até a perder completamente de vista!
Acompanhada pelas “minhas músicas” fui lendo paisagens longínquas de uma volta ao mundo muito especial. Só me dou conta de estar em Lisboa quando o motorista avisa, pelo microfone, que vai parar no aeroporto. A paragem é muito curta, só um dos passageiros é que sai. Em menos de 5 minutos o expresso está de novo em movimento, mas para logo a seguir parar. O motor é desligado e vejo o motorista a sair. Como estava nos lugares do fundo não me apercebo de imediato do que se passa… Até que me encosto à janela e vejo: uma operação STOP! Os minutos foram passando, tão lentamente que a mim pareciam arrastar-se. Pude ver cada mudança nos números vermelhos do relógio digital do autocarro. Só às 19:49, exactamente 43 minutos depois de termos chegado ao aeroporto, é que o expresso voltou a mover-se. A esta altura já tinha roído todas as unhas que me foram possíveis… e como se 43 minutos de atraso não fossem suficientes, o transito da capital tratou de aumentar esse atraso para 1 hora e 13 minutos.

“Não ta fácil”- vou pensando para mim, enquanto vou correndo, ou melhor arrastando-me, com a minha mala para a estação de metro. Para facilitar um pouco mais a minha viagem, o metro estava absolutamente lotado e conseguir entrar numa carruagem (eu e a minha querida mala) foi uma aventura! Troco de linha e finalmente chego ao meu destino. Saio (eu e a minha mala, claro), ao som de “time goes by… so slowlly”. Inevitavelmente acabo por sorrir, porque a ideia de que alguém partilha comigo a dificuldade que foi este dia é muito reconfortante! Devaneios de fome, acho!!

Percorro os caminhos que num quente dia deste Verão estavam apinhados de gente. As letras verdes “ALVALÁXIA” trazem uma sensação de “feels like home” que não sei explicar, mas que me enche de força para arrastar a mala, mais alguns metros… Aqui estou: número 4… 1º esquerdo! Do outro lado soa uma voz familiar!!!
Abre-se a porta. Vem aquele sorriso, aquele abraço. Em 5 minutos vou contando todas as peripécias que assolaram esta, tão esperada, quarta-feira. Troco de roupa (sem me calar, obviamente). Uff… em tempo recorde já estamos as duas a descer a escadaria branca que me leva novamente à estação. O meu metro não demora muito a chegar. Abraço-te mais uma vez… pi, pi…e entro mesmo antes do último piiiii! Ficas a acenar-me até nos perdermos de vista.

ss

 
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